sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Ponto de ônibus

Indo para a aula como todos os dias, me deparei com algo normal mas não tão comum quanto a rotina das aulas: ao saltar do ônibus, um grupo de crianças sujas e maltrapilhas - que eu não sei se era de rua - entrou pela porta de trás do ônibus em que eu estava com uma intensa excitação, como se algo de bom estivesse para acontecer. Como era um grupo considerável para aquela situação (cerca de oito crianças, sendo que a mais velha - aparentando 12 - fumava um cigarro doado por um ambulante), agi com certa estranheza (o que acontece com os outros é "normal" , quando conosco, estranho) e falei com um tom agressivo " Deixa eu passar aí". As cinco crianças que entravam no ônibus ignoraram ou pela felicidade intensa ou pela preocupação com as crianças que ainda não haviam entrado no ônibus. Como resposta, ouvi do menino mais novo um "Pode passar moço". Pois bem, passei, fui embora e não olhei para trás.

Após alguns minutos caminhando me peguei pensando naquela situação: será que essas crianças são assim porque não tem educação? Então é aqui que fazemos nossa primeira Reflexão do Cotidiano depois de quase dois anos de inatividade virtual.
De pronto, fiz a suposição de que eram crianças que não tinham uma vaga numa escola pública(muito menos particular), fato que influencia mas não determina aquelas atitudes vorazes de entrar no ônibus com tamanha agitação, assim como dizer que "Eles agiram assim por causa da sociedade" é do mais puro senso comum que me dispenso de falar sobre a afirmativa.
É visível que tal maneira de agir se dá por parâmetros sociais que tem mais a ver com as classes (apesar de ultrapassá-las) do que com a educação. Prova disso é observada na educação do menor que, antes de entrar no ônibus, me disse "Pode passar moço".

Outro fato observável está dentro das escolas públicas: os indivíduos que possuem sua vaga garantida nessas instituições teriam a mesma atitude do que as crianças naquele ponto de ônibus, com objetivos iguais mas por meios e consciências diferentes. O capital social[1] (Não se predomina na sociedade somente com o acúmulo de bens materiais) ali abordado, é desejado nos dois casos, mas um grupo sabe que a atitude acarreta certos problemas e o outro, talvez, ache que agir daquela forma seja apenas mais uma ação rotineira (e é aí que a educação influencia mas não determina tais atitudes).

O objetivo em questão vai além de "pegar um bonde com o piloto": ali estão os desejos de imposição por destaque, fomentados pelas precárias condições que o Estado proporciona para aqueles. Observa-se então a temática das classes. Não que os componentes das classes C, B ou A estejam insentos de tais condições - não estão pois existem alguns serviços que ainda não exigem um grande montante de dinheiro para serem usados (ou por fortuna ou por falta de interesse do capital privado) - mas se tais classes não possuíssem certo capital (nesse caso material), estariam necessariamente subordinadas a todos os serviços públicos medíocres do Estado assim como os componentes das classes D e E estão. Toda essa problemática se agrava por históricas más administrações que influenciaram diretamente na disparidade observada entre as classes hoje.

Por fim, pude tirar uma conclusão lastimável sobre isso: a educação não é fator determinante para o acúmulo do capital social, embora devesse ser. Se tal educação estivesse aliada com administraçõs melhores, misturadas - é claro - com certa mudança nos parâmentros de acúmulo de bens materiais (mas esse é um assunto para outro post), a disparidade inter-classes seria menor e o capital social seria outro, adquiridos de outras formas e geradores de um possível "Esperem os passageiros descerem e vamos conversar com o motorista pra entrar no ônibus" por parte da mais velha daquelas crianças do ponto de ônibus, que não mais fumaria aquele cigarro.




Até a próxima,
Daniel L. Ruffo





[1] ORTIZ, Renato "Pierre Bourdieu - Sociologia" pág. 22

Um comentário:

  1. Percebi que a deficiência na educação não interfere no acúmulo de capital social, mas o problema parece estar no mau uso deste.

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